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Apresento aqui os dados de um estudo que realizei em 2019 para investigar a relação do público cego com as marcas no dia a dia, e uma proposta de 10 diretrizes para guiar a comunicação de marcas para uma aproximação a esse público.

Quem não tem deficiência pode não imaginar, mas algumas ações cotidianas, como fazer compras, assistir à televisão ou acessar as redes sociais, muitas vezes se tornam uma grande dificuldade no caso das pessoas cegas.

É preciso que as marcas usem estratégias e recursos de comunicação acessíveis para se comunicar melhor com seu público consumidor, incluindo aquele com deficiência visual. Temos como premissa que essa melhor comunicação pode colaborar para o público cego se compreender em sociedade, enquanto seres sociais e em interação com outros consumidores.

Portanto, busquei aqui uma aproximação que possa favorecer tanto as marcas, que podem conquistar novos consumidores e se tornarem mais acessíveis, quanto as pessoas com deficiência visual, que podem ter minimizadas suas dificuldades no dia a dia.

Marca e identidade de marca

Segundo Alina Wheeler (2019), a marca é intangível, é tudo o que se sente ou que se fala de um produto, serviço ou empresa. Por meio da marca, é possível se destacar no mercado e estabelecer ligações emocionais. Isso forma o que Joan Costa (2008) chama de “imagem da marca”, uma representação mental de uma marca, que cada um de nós tem.

Assim, a marca é um ativo intangível, que vai além do que é somente concreto, e pode representar 75% do valor de uma empresa. Já a identidade de marca é o tangível, que se consome e que apela aos sentidos. Isso contempla todos os pontos de contato, como websites, embalagens, fachadas, aplicativos, outdoors

A identidade de marca está nos aspectos tangíveis da marca, como nessa embalagem de entregas da Amazon. Fonte: adaptado de Wheeler, 2019.

design de identidade de marca tem o papel de tangibilizar os elementos intangíveis mais importantes a serem passados: emoção, contexto, valores, ou seja, o que se chama de “essência” da marca. Nessa lógica, a identidade visual, que geralmente é mais privilegiada que os demais sentidos, tem menos representação para uma marca em relação ao público cego. Então, o posicionamento pode ser melhor expressado pela identidade verbal e pela identidade experiencial (RODRIGUES, 2011) para destacar uma marca no mercado, passar segurança e criar identificação com o cliente com deficiência visual.

Comunicação e acessibilidade

A cultura e os padrões de vida são transmitidos pela comunicação, mais do que pelos meios de comunicação social (BORDENAVE, 2017). Então, a comunicação é uma necessidade básica do ser social, um modo natural de socialização entre as pessoas, uma importante via de expressão do conhecimento humano (BERGSTRÖM, 2009), e o acesso à comunicação é um direito (BRASIL, 2009). Já a acessibilidade, conforme a ABNT, é a:

possibilidade e condição de alcance para utilização, com segurança e autonomia, de espaços, mobiliários, equipamentos urbanos, edificações, transportes, informação e comunicação, inclusive seus sistemas e tecnologias, bem como de outros serviços e instalações abertos ao público, de uso público ou privados de uso coletivo, por pessoa com deficiência ou com mobilidade reduzida (ABNT, 2016, p. 1).

A acessibilidade, portanto, é um direito de todos, e o Estado deve fornecer as possibilidades de acesso e as condições para que qualquer pessoa possa se comunicar. Tendo em conta a necessidade dos diversos públicos, é preciso adotar estratégias e recursos para se atingir a acessibilidade para todos. Nesse sentido, pode ser citada a Tecnologia Assistiva como área “que engloba produtos, recursos, metodologias, estratégias, práticas e serviços que objetivam promover a funcionalidade, relacionada à atividade e participação de pessoas com deficiência visando sua autonomia” (CAT, 2007).

Dentre as Tecnologias Assistivas, a audiodescrição é uma ferramenta para acessibilidade comunicacional inicialmente criada para atender ao público com deficiência visual, mas que atualmente beneficia a outros públicos. Neves (2011, p. 13) afirma que a audiodescrição é a “arte de descrever imagens, objetos, realidades com valor comunicativo essencialmente visualista”; em outras palavras, é uma tradução de mensagens e eventos visuais para um texto verbal.

No contexto da Web, há políticas de acessibilidade para deficiência visual já consolidadas nas Diretrizes de Acessibilidade para Conteúdo Web (WCAG) 2.1 (W3C, 2018). A diretriz de alternativas em texto recomenda que conteúdos não-textuais, como imagens ou vídeos, tenham sempre uma alternativa textual, para que possam ser lidos por softwares leitores de tela ou impressos em fontes maiores, em Braille, entre outras possibilidades.

O questionário

Conduzimos, em outubro de 2019, um questionário online, com as respostas de 6 pessoas cegas ou com baixa visão às seguintes questões abertas:

1. Você tem marcas preferidas para alguns produtos? Se sim, por quê gosta delas?
2. Você lembra de alguma marca da qual você goste da publicidade? Seja em redes sociais, televisão ou outros meios…
3. Você conhece marcas que se aproximam do público com deficiência visual em seus canais de comunicação? Se sim, poderia citar exemplos?

10 diretrizes para a comunicação de marcas para pessoas com deficiência visual

Apresento, então, 10 diretrizes elaboradas a partir das respostas obtidas no questionário aberto e das iniciativas encontradas na comunicação das marcas citadas pelas pessoas que responderam.

Essa apresentação se dará assim: cito uma situação de dificuldade relatada pelos respondentes e as diretrizes para uma comunicação acessível que possa facilitar essa situação.

Situações relatadas nas respostas:
– Tem dificuldades para comparar produtos. Como estratégia de resistência, se atém aos produtos conhecidos.
– Algumas vezes, compra algum produto somente porque tem a embalagem que consegue ler e entender (letras pequenas, baixo contraste).

Diretrizes:
1) Apresentar novos produtos em todas as mídias;
2) Inserir Braille nas embalagens;
3) Fazer testes com consumidores cegos ou com baixa visão;
4) Estipular tamanhos mínimos de letra e valores mínimos de contraste para rótulos de embalagens;

Situações relatadas nas respostas:
– Escolhe marcas de acordo com a preocupação com acessibilidade percebida.
– Relata preferência por marca que diz ser uma das primeiras a apresentar propaganda com audiodescrição. Com isso, se sente representado e respeitado.

Diretrizes:
5) Aderir, no mínimo, às soluções mais simples de acessibilidade: textos alternativos e descrições de imagens;
6) D
ivulgar a preocupação da marca com acessibilidade (ex.: uso de hashtags do tema);

Situação relatada nas respostas:
– A marca apresenta soluções de acessibilidade no YouTube (descrições dos vídeos).

Diretriz:
7) Empregar a Audiodescrição em vídeos e imagens nas redes sociais ( YouTube, Facebook, Instagram etc);

Situações relatadas nas respostas:
– Não consegue acessar grande parte da publicidade: comerciais só com trilha sonora; logos muito pequenas no final; não se lê slogans ou logos que encerram anúncios.
– Gosta e tem memória de algumas propagandas que funcionam apenas com áudio, pois consegue compreendê-las, mesmo que não tenham audiodescrição.

Diretrizes:
8) Buscar oferecer sempre um retorno auditivo do que está acontecendo em eventos visuais (ex.: comercial);
9) Estipular tamanhos mínimos de logo para a assinatura final de propagandas;
10) Pensar em roteiros numa abordagem multissensorial para que uma mesma campanha possa ser empregadas em diferentes meios (ex.: rádio, web, televisão, redes sociais).

As diretrizes podem ser vistas a partir das iniciativas de algumas marcas citadas pelos respondentes. Para websites, os recursos usados foram:

  • o menu de acessibilidade, em posição superior no site para uma leitura imediata por leitores de tela;
  • botões de zoom, alto contraste e tornar cinza;
  • tradução para Libras;
  • baixar aplicativo de navegação facilitada;
  • usar textos alternativos para todos os conteúdos não-textuais.

Para redes sociais, os recursos mais usados são as hashtags #PraCegoVer, #PraTodosVerem, e uma das marcas criou sua própria hashtag, o #BKAcessível.

Considerações finais

Os principais pontos relatados pelos respondentes do questionário foram:

  • dificuldades para leitura, compreensão e comparação de produtos por meio de embalagens;
  • dificuldades para acessar publicidade em comerciais televisivos;
  • dificuldades no acesso a redes sociais e anúncios nelas apresentados;
  • preferência por marcas de acordo com o uso de recursos de acessibilidade, o que transmite respeito e os faz sentirem-se representados.

O público cego relatou problemas diversos relacionados à comunicação das marcas e a questões práticas que podem ter soluções de simples operacionalização. Nesse cenário, é fundamental fomentar a acessibilidade na comunicação das marcas não só em termos estratégicos, mas para que realmente seja praticada como um posicionamento institucional.

Imagem tirada de opendoodles

Agradecimentos
Aos queridos colegas da Comunidade de Práticas de Acessibilidade na CWI Software, que têm ampliado o alcance dessa temática fundamental. Esse post faz parte de uma série de posts sobre acessibilidade e teve a colaboração de Isabel MendesManu Nascimento e Michell Ocaña. Para saber mais, veja aqui o último post do Michell, sobre mitos de acessibilidade digital.

Um gigantesco muito obrigado aos colegas Prof. Eduardo Cardoso e Prof. Ygor Corrêa, parceiros neste estudo que ocorreu durante meu doutorado em Design na UFRGS.

Referências
ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS — ABNT. NBR 16452 — Acessibilidade na comunicação — Audiodescrição. Rio de Janeiro: ABNT, 2016.
BERGSTRÖM, Bo. Fundamentos da comunicação visual. São Paulo: Rosari, 2009.
BORDENAVE, Juan E. D. O que é comunicação. 15 ed. São Paulo: Editora Brasiliense, 1992.
BRASIL. Presidência da República. Casa Civil. Subchefia para Assuntos Jurídicos. DECRETO Nº 6.949, DE 25 DE AGOSTO DE 2009. Promulga a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência. Brasília, 2009.
BRASIL. Lei n.º 13.146, de 06 de julho de 2015. Institui a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência). Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13146.htm> Acesso em 04 de outubro de 2019.
COMITÊ DE AJUDAS TÉCNICAS (CAT) — Coordenadoria Nacional para Integração da Pessoa Portadora de Deficiência (CORDE) — Secretaria Especial dos Direitos Humanos — Presidência da República. ATA VII de 13 e 14 de dezembro de 2007.
COSTA, Joan. A imagem da marca: um fenômeno social. São Paulo: Rosari, 2008. (Coleção Fundamentos do design).
KURT, S. Moving toward a universally accessible web: Web accessibility and education. Assistive Technology, 31(4), 2019, 199–208.
NEVES, Josélia. Imagens que se Ouvem. Guia de Audiodescrição. Instituto Politécnico de Leiria. Leiria. Portugal. 2011.
RODRIGUES, Delano. Naming: o nome da marca. Rio de Janeiro, 2AB, 2011.
W3C. Diretrizes de Acessibilidade para Conteúdo Web (WCAG) 2.1
Recomendação W3C de 05 de Junho de 2018. Disponível em: https://www.w3c.br/traducoes/wcag/wcag21-pt-BR/
WHEELER, Alina. Design de Identidade da Marca: Um guia completo para a criação, construção e manutenção de marcas fortes. Porto Alegre: Bookman, 2019.

Referência e link do artigo original
PEDUZZI, R.; CARDOSO, E. ; CORREA, Y. Strategic approaches of brands to visually impaired people: accessible communication guidelines. e-Revista LOGO, v. 9, p. 41–64, 2020. https://doi.org/10.26771/e-Revista.LOGO.
Você pode acessar o artigo original, publicado na revista e-LOGO, aqui em inglês e acessar o artigo aqui em português.

Referência das imagens
Undraw

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