Carreira
Ser designer: Um ato de resiliência
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Nos últimos anos muito se falou que “UX é a profissão do futuro”, “o mercado só cresce”, e atualmente chegamos na fase “a bolha já estourou”. Como designer gráfico, acompanhei a distância esse movimento. Minha jornada profissional foi em outro contexto, o jornalismo impresso.
Por alguns anos me considerei seguro, estabilizado e sem a necessidade de mudança profissional. Estava exercendo uma posição de liderança em um grupo de comunicação tradicional e contava com a confiança da diretoria da empresa. Porém, o mercado é cíclico: empresas abrem e fecham, áreas se expandem enquanto outras se retraem, até determinado momento que notei que estava ficando para trás. Se eu mesmo não consumia conteúdos impressos, como jornais e revistas, como poderia contar com usuários dispostos a dar retorno financeiro à empresa, e indiretamente à mim? Percebi que precisava mudar de área e comecei a aspirar uma migração para produtos digitais.
Sendo um designer há mais de uma década e nunca, digitalmente falando, tendo ido além de cards para mídias sociais, já considerava à primeira vista muito difícil essa transição. Na época eu não possuía nem mesmo o tempo o suficiente para me dedicar a uma especialização. Quem já trabalhou com jornalismo sabe, o dia inicia com a reunião de pauta pela manhã e é finalizado apenas a noite, com o envio das páginas para impressão. Meu processo começou do jeito que era possível, consumindo um conteúdo aqui, outro ali, lendo artigos, fazendo cursos rápidos nos fins de semana, assistindo tutoriais, criando projetos fictícios, etc.
Porém, durante este desenvolvimento, tive uma surpresa positiva. De certa forma, por onde eu havia trabalhado, o User Experience Design já existia, mesmo que de maneira involuntária. Uma considerável quantidade das práticas que eu estava conhecendo durante meus estudos já haviam se feito presentes em processos criativos nesses quase 13 anos de atuação profissional.
Assim como em um projeto para um aplicativo ou site, um veículo impresso também necessita de diversas metodologias, processos e regramentos em sua construção. Como ocorre nos produtos digitais, um projeto impresso não se resume a um processo fechado de criação, desenvolvimento e entrega. Trata-se de um produto que será construído e consumido por diversas mãos, em um grande processo de melhoria contínua.
Práticas de ideação como criação de personas, benchmark, pesquisa de clima, testes A-B, entre outros, já ocorrem há anos em dinâmicas para impressos, justamente pela necessidade de refinar um produto que acabará sendo consumido diariamente por milhares de pessoas. O mesmo ocorre para processos de desenvolvimento e entrega como wireframes, style-guides e design systems (não propriamente com estas nomenclaturas) que acabam sendo fundamentais no hand-off de um projeto que será consumido por diversos colaboradores que serão responsáveis por desenvolver layouts de maneira consistente com o padrão visual de um jornal ou revista.
Ter percebido esta correlação entres os processos afastou a minha descrença com o projeto de migração de área, me tornando mais seguro em processos de candidatura a vagas. Apesar da minha inexperiência no mercado, eu tinha a percepção de possuir as soft-skills necessárias para me lançar a desafios maiores, o que aconteceu poucos meses depois.
A jornada no CWI Bold
Em agosto de 2021 eu já havia realizado uma pequena migração, estava trabalhando naquele momento com a criação de banners e e-mails marketing em uma produtora digital quando uma oportunidade surgiu à minha frente, o CWI Bold. O programa de capacitação da CWI tinha como premissas buscar justamente profissionais com as características que meu currículo apresentava: pouca experiência e muita vontade de aprender. Imediatamente fiz minha inscrição e fui selecionado.
A participação no Bold me fez entender de maneira aprofundada todo o conhecimento que eu já vinha adquirindo nos meus estudos em um ambiente onde eu podia enfim pôr em prática este aprendizado. Mais do que isso, a contratação após o programa de capacitação e a migração completa de área me fez ter a real dimensão do que é ser designer. Pude perceber que fazemos parte de uma área de trabalho que independente da forma ou dispositivo possui uma mesma estrutura metodológica, composta por processos que garantem entregas centradas em quem realmente importa, o usuário.
Momento atual
Trazendo estas percepções para o momento atual (minha transição foi em 2021). Consigo associar as ‘inseguranças de migração’ aos medos que uma nova ferramenta está gerando, os softwares de inteligência artificial. A simples ascensão do ChatGPT já foi capaz de criar uma nova insegurança a nós designers, temendo a necessidade de uma nova migração, em um cenário onde seríamos facilmente substituídos por máquinas.
Porém, observando o contexto histórico de nosso trabalho, dentre as tantas mudanças que tivemos nos métodos de produção, desde o surgimento dos computadores pessoais ou até mesmo antes, no fim das contas, as principais habilidades que nós designers precisamos ter ainda são as mesmas.
A atenção ao usuário e a empatia às suas reais necessidades sempre estiveram presentes e continuarão sendo necessárias. Da mesma forma, metodologias que tornam o processo de trabalho organizado, ainda mais com a consolidação do trabalho remoto. Estes processos, independente da “evolução das máquinas”, sempre precisarão contar com a nossa sensibilidade ao desempenhar qualquer trabalho.
O que acredito que possa ser considerado como algo que diferencie uma área de trabalho ou outra, e principalmente um designer ou outro, está na capacidade de adaptar-se à mudança. Eu, como designer, percebi que precisava migrar de área. Entretanto, antigos locais que trabalhei não tiveram este entendimento e acabaram encerrando suas atividades.
Bons designers ou boas empresas, além das capacidades técnicas que listei anteriormente, precisam ser aqueles que possuem capacidade de ser resilientes às mudanças que o mundo impõe, independente da ferramenta, seja ela analógica ou digital.